Praias de Sintra: D. Carlos, ‘o praieiro’

D. Carlos em Sintra, fotografia de realbeiralitoral.blogspot.com

D. Carlos em Sintra, fotografia de realbeiralitoral.blogspot.com

Ao Rei D. Carlos poderíamos ter posto o cognome de ‘o praieiro’. Não era só a Ericeira, quando a Família Real se abrigava na sua ala de férias do Palácio de Mafra. Era a descoberta da Foz dom Arelho por Grandela, com visitas dele, quando teve Palácio nas Caldas da Rainha (que ainda lá está, pequeno e lindo, hoje feito sobretudo galeria pública de arte), para acompanhar aquela intelectualidade de artistas, ceramistas e afins (Bordallo, Columbano, Malhos, visconde de Sacavém, irmãos Amados, etc., todos maçons, todos de um grupo mais ou menos clandestino, os makavenkos, que faziam orgias de música e gastronomia). Sintra já era muirto da Família Real, desde os tempos imemoriais do Palácio da Vila, do tempo de D. João I, reedificado no Século XV. Mas as praias de Sinra domeçaram a ser frequentadas, com as de Cascais, quando D. Carlos tomou também como residência de férias o Forte da Cidadela, de Cascais.

Sintra – entalada entre Mafra (a Norte), Loures (Leste), Odivelas e Amadora (Sudoeste), Oeiras e Cascais (Sul) e Atlântico (Oeste) –

Praia da Adraga, fotografia de sintraromantica.net

Praia da Adraga, fotografia de sintraromantica.net

é um autêntico paraíso de florestação e frescura, de passagem indispensável para quem visita Lisboa, declarada Petrimónio Mundial da Unesco muito antes de a U(NESCO brincar aos patrimónios imateriais.. Ficou-nos no imaginário a Sintra romântica, tão bem descrita por Eça de Queirós, quando as tipoias batiam de Lisboa a Sintra, com paragem obrigatória na Porcalhota (hoje, Amadora), para um retempero de ovos com chouriço. E lá estão ainda, por todos os cantos, com o Palácio da Pena à cabeça, os detalhes dessa era romântica anterior ao Eça (que lá tinha o Alencar, para assumir esse papel).

No terceiro quartel do século XVIII e praticamente todo o século XIX o espírito romântico dos viajantes estrangeiros e da aristocracia

Azenhas do mar, fotografia de sintraromantica.net

Azenhas do mar, fotografia de sintraromantica.net

portuguesa redescobrem a magia de Sintra e dos seus lugares. Aqui chega, no Verão de 1787 William Beckford, hóspede do 5° marquês de Marialva, e é aqui que a ainda princesa D. Carlota Joaquina, mulher do regente D. João, compra, no princípio do século XIX, a Quinta e o Palácio do Ramalhão. Entre 1791 e 1793 Gerard Devisme constrói na sua extensa Quinta de Monserrate o palacete neo-gótico. Beckford, que permanecera em Sintra, arrenda a propriedade de Devisme em 1794. Depois aparece ali outro inglês, Francis Cook — o segundo arrendatário de Monserrate. Mas o grande empreendimento artístico deste século romântico em Sintra é sem dúvida o Palácio da Pena, iniciativa do Rei-consorte D. Fernando II (1836-85).

No final do século, começa a alternância de Sintra com a Cidadela de

Praia das Maçãs, fotografia de sintraromantica.net

Praia das Maçãs, fotografia de sintraromantica.net

Cascais. Depois de Sintra, nos meses de Setembro e Outubro é em Cascais que a corte de D. Luís I (1861-1889) e de D. Carlos I (1889-1908) termina o veraneio.

Em 1854, é celebrado o primeiro contrato para a construção de um caminho de ferro que ligasse a Vila a Lisboa, vindo a linha a ser finalmente inaugurada a 2 de Abril de 1887.

No princípio do século XX, foi Sintra um reconhecido lugar de veraneio e residência de aristocratas e de milionários. De entre estes, Carvalho Monteiro detentor de uma considerável fortuna que lhe valeu a alcunha de “Monteiro dos Milhões”, fez construir perto da Vila, na quinta que comprara à baronesa da Regaleira, um luxuoso palacete cuja arquitectura neo-manuelinacheio de referencias maçónicas.

Entre a segunda metade do século XIX e os primeiros decénios do século XX, Sintra tornou-se um lugar privilegiado para artistas:

Praia Grande, sintraromantica.net

Praia Grande, sintraromantica.net

músicos como Viana da Mota; músicos-pintores como Alfredo Keil; pintores como João Cristino da Silva; escritores, como Eça de Queiróz ou Ramalho Ortigão.

Mas não só artistas portugueses se têm maravilhado em Sintra. Em 1757, o romancista Henry Fielding, ao sentir-se doente, retirou-se para uma mansão em Sintra. O poeta Robert Southey também aqui viveu. E Samuel Taylor Coleridge, e o poeta William Wordsworth. Em 1809, Lord Byron. A 21 de Agosto de 1859 chegou a Portugal o poeta Alfred Tennyson com a intenção de conhecer Sintra. Muitos anos mais tarde foi a vez do escritor Isaac Bashevis Singer, Nobel da Literatura.

Em 1981, o cineasta brasileiro Glauber Rocha, um dos mais importantes nomes do cinema moderno mundial, escolheu Sintra para ser o “seu segundo e último exílio”.

Magoito, fotografia de sintraromantica.net

Magoito, fotografia de sintraromantica.net

E é assim que as praias começam a florescer na zona: a inauguração do tranvia Sintra-Praia das Maçãs no princípio do Século XX (depois de tentativas infrutíferas várias desde 1886) é já uma prova do interesse na deslocação das pessoas para essas praias. Primeiro foi até Colares, depois Praia das Maçãs, e durante um certo período até às Azenhas do Mar. O Tranvia caiu em desuso, chegou a fechar, e reabriu como atracção turística, e útil transporte para as praias de Sintra.

E agora vamos às praias propriamente ditas, a começar pelo lado do Guincho, e indo pela Serra fora. Primeiro temos a Adraga, encravada entre arriba, com acesso por Almoçageme, agreste, quase selvagem, de um azul intenso (em 2003, foi considerada uma das 20 melhores praias europeias pelo Sunday Times, obtendo o honroso terceiro lugar), tem rochas espalhadas pelo areal, na escarpa Sul da praia, há a Pedra de Alvidrar (ou pedra do juízo, enorme rocha que desce, quase na vertical, até ao mar e que, segundo a

Praia Pequena, fotografia de sintraromantica.net

Praia Pequena, fotografia de sintraromantica.net

tradição local, era sítio iniciático para os jovens mancebos provarem a sua valentia descendo-a e subindo-a com risco da própria vida), mais adiante o poço natural do Fojo, em comunicação com o mar pela base.

A Praia Grande (do Rodízio) dispõem de bom areal e bons acessos, embora hoje surja bastante encolhida entre os rochedos de uma ponta, e a ladeira (com piscina oceânica) da outra, a da entrada, que vem do caminho para a Praia das Maçãs. Fala-se em pegadas de dinossauros à sua volta (é possível identificar sessenta e seis pegadas de dinossáurio, datadas de há 170 milhões de anos). Tal como o nome deixa adivinhar, é a maior praia do litoral sintrense. A Praia Pequena, junto á Grande, não é tão pequena como o nome poderá indicar, embora mais recatada e abrigada dos ventos de Norte, tem um passeio pedonal. O Magoito, na foz da Ribeira da Mata, a

Praia de S. Julião, fotografia de sintraromantica.net

Praia de S. Julião, fotografia de sintraromantica.net

noroeste de Sintra, tem uma duna fóssil, grande extensão, muito rica em iodo, (é considerada das praias mais iodadas da Europa), pode vislumbrar-se ao longe, a Sul, o Cabo da Roca.

A Praia das Maçãs tira o nome dos pomares de maçãs que atiravam os frutos maduros para o areal, e aqui desagua a Ribeira de Colares. Bons acessos, bons restaurantes e o pitoresco e intermitente eléctrico. Boa piscina, para substituir a aspereza do mar, como na vizinha Praia Grande. A povoação apenas começou a despontar nos finais do século XIX, quando o padre Matias del Campo, pároco de Colares, um habitante das Azenhas do Mar de nome Manuel Prego e o compositor e pintor Alfredo Keil, autor do Hino Nacional, aí construíram as três primeiras casas. Mas, na pré-história, já por lá andavam os homens e disso deixaram vestígios. No século XVI, André de Resende e Francisco de Holanda, entre outros, por lá andaram, e disso deixaram testemunho escrito. José Malhoa retratou a vida balnear local no seu quadro Praia das Maçãs, pintado a óleo sobre

Fotanelas, fotografia da Wikipedia

Fotanelas, fotografia da Wikipedia

madeira em 1918. Nesta praia, foi gravado também em 2009 o videoclip de Amazing, da cantora romena Inna.

As Azenhas do Mar sobressaem pelas piscinas naturais oceânicas, lá em baixo, no ar, e o seu belo restaurante de peixes e mariscos. Em certa altura fim da linha do eléctrico da Praia das Maçãs, chegou a cultivar-se por lá a casta rainha vinhos de Colares, a Ramisco. As casas da povoação descem em cascata pelo declive da arriba até ao mar. O seu areal é mínimo (não ultrapassa os 30 metros). Antiga aldeia de pescadores, tornou-se nas últimas décadas um local de veraneio tranquilo e local de inspiração de muitos pintores como Júlio Pomar, Emílio da Paula Campos ou Milly Possoz.

Sintra (Pena) com Colares ao fundo, fotografia de doc.dmc.com

Sintra (Pena) com Colares ao fundo, fotografia de doc.dmc.com

A Praia da Ursa é um dos mais recônditos tesouros naturais do concelho de Sintra, muito próxima do Cabo da Roca, o ponto mais ocidental da Europa. Os difíceis acessos são um obstáculo que ajudou a preservar algum do do carácter selvagem. A descida do estacionamento até à praia demora cerca de 1 hora a pé pelas arribas. O seu nome deriva da da Rocha da Ursa, uma enorme rocha em forma de ursa com um filhote ao colo, quando vista de Norte.

A praia da Vigia, junto de Assafora, é naturalmente naturista (e como tal conhecida). A Sul de São Julião, de difícil acesso e com altas escarpas, não é vigiada e não possui qualquer tipo de equipamento de apoio. Liga-se à Praia de São Julião (ao pé desta povoação) na maré baixa. Quase bate em Mafra, que que a separa um rio.

A Praia da Aguda, em Fontanelas (onde Virgílio Ferreira teve o seu ´último refúgio em vida), a noroeste de Sintra, tem um belo areal entre arribas. Finalmente, a Praia da Samarra, virgem, mínima, fica em São João das Lamas.

Deixe um comentário