Vinagrete 16.10.22 – Justiça portuguesa não se ‘manca’

Justiça como quem nos dera, fotografia da revoltatotal.blogspot.com

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Não se ‘manca’ é como quem diz ‘não tem a menor lucidez sobre si própria’. Porque embora muitas Justiças desse mundo fora possam ser consideradas menos boas (‘onde há Justiça há sempre injustiça’, como diria Tolstoi, no seu Guerra e Paz, ou ‘onde aparece um tribunal desaparece a Justiça’, como diria um personagem de um famoso filme russo feito com base na Obra de Tolstoi, peramte os horrores visíveis, nomeadamente as execuções imediatas, determinadas pelos tribunais marciais napoleónicos em Moscovo), nenhuma haverá tão desacreditada como a portuguesa. E será por razões sólidas.

Ainda recentemente a investigadora Maria de Lurdes Rodrigues (não confundir com a ex-ministra da Educação, também condenada por um destes prestimosos tribunais nacionais) foi presa para cumprir uma pena de três anos de prisão efectiva por crimes de injúria e difamação. A

Justiça desequilibrada, fotografia de camaroteleonino.blogspot.com

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condenação “insólita” surge no âmbito de um processo que começou há 20 anos, e está a gerar uma natural onda civil de indignação. E os crimes de injúria e difamação, por mais incrível que pareça, referem-se à própria Justiça que a condenou, a portuguesa.

A investigadora foi detida a 29 de Setembro, quatro anos após ter sido emitido o mandado de detenção no âmbito de um processo em que foi condenada por crimes de injúria e difamação. Tudo começou em 1996, quando ela perdeu uma bolsa de estudo e despoletou um processo de contestação, pondo em causa o

Justiça doente, fotografia de diganaoainercia.blogspot.com

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processo de atribuição das bolsas e depois, também os juízes que não lhe deram razão em tribunal. Porque chegaram a dar-lhe razão em tribunal. A investigadora é «uma das poucas pessoas que estão condenadas a cumprir pena efectiva de prisão por crimes menores como injúria ou difamação», como salientava o DN num artigo de 2013. Foi condenada por ter ofendido «as mais altas magistraturas da nação, incluindo o ex-procurador-geral da República Pinto Monteiro», sublinhava o DN, dando-nos o gosto de saber que alguém fizera o que todos quereríamos ter feito. Maria de Lurdes Rodrigues, quando era estudante, viu o Ministério da Cultura, retirar-lhe uma bolsa de estudo de longa duração para estudar cinema na Holanda. Surgiram imediatamente suspeitas de um eventual falseamento do júri por parte de duas funcionárias do Ministério da Cultura. Depois de diversos recursos e queixas-crime, o processo chegou ao Supremo Tribunal

Justiça para fugir, fotografia de oqueeojantar.blogs.sapo.pt

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Administrativo (STA) que não lhe deu razão. A investigadora apresentou então queixa-crime contra os juízes do STA, argumentando que foram “coniventes” com um alegado “roubo de actas do júri” por parte do Gabinete de Relações Internacionais do Ministério da Cultura. Ganhou. Mas perdeu os seguintes processos com um juiz a quem acusou de corrupção, pelos vistos com bastante razão.

E assim se passa de uma bolsa aparentemente mal perdida para uma prisão aparentemente mal decidida. Mas seria possível pôr lá o juiz que a decidiu, se decidiu realmente mal? Isso, sim, seria uma boa Justiça.

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