Praia da Foz do Arelho: uma descoberta de Grandela

Aberta, junto ao Gronho, fotografia de vascotrancoso.blogspot.com

Aberta, junto ao Gronho, fotografia de vascotrancoso.blogspot.com

A praia da Foz do Arelho é, na minha escassa opinião, talvez a mais bonita de Portugal. Refiro-me apenas à praia: um areal enorme, entalado entre as águas da Lagoa de Óbidos e as do Atlântico, com uma aberta a rompê-lo ao fundo, quase junto ao Gronho (o rochedo do outro lado, que muda bastante de ano para ano).

Do lado da Lagoa, as águas são muito mais calmas, e perfeitas para quem não está habituado ao mar. As bandeiras são sempre verdes. Do outro lado, no Atlântico, a praia aberta ao mar, batido e sem grandes correntes, oferece ótimas condições para a prática de surf e possui Bandeira Azul, confirmando a qualidade das suas águas. Mas é mesmo mar batido e de ondas que têm de se furar para não ser embrulhado nelas. Quem está habituado, não quer outra coisa.

Perante tanta excelência, sempre me fez confusão esta terra, a Foz do Arelho, ter crescido virada de costas para o mar. Mas foi o que realmente sucedeu.

A ocupação de seu sítio remonta a um povoado piscatório da paróquia da Serra do Bouro. Era um povoado da freguesia

Hotel cor-de-rosa com casa onde funcionou o restaurante, ambos feitos por Almeida Araújo, fotografia de memoriasdolima.blogspot.pt

Hotel cor-de-rosa com casa onde funcionou o restaurante, ambos feitos por Almeida Araújo, fotografia de memoriasdolima.blogspot.pt

da Serra do Bouro, da qual foi desanexada em 1919, em que se fazia pesca na Lagoa (de que se dizia que dava pão e vinho).

Mas foi em torno da Quinta da Foz, ou Quinta de Nossa Senhora de Guadalupe (do Século XVI), no centro histórico da povoação, que esta cresceu. Deu-se até um caso que me parece único no Continente português, dos foros (enfiteuse) da Quinta terem sobrevivido ao 25 de Abril. E só depois de os proprietários da Quinta terem ganho uma acção judicial contra a população que se recusou a pagá-los no pós 25 de Abril, um Governo de Mário Soares acabou formalmente com eles. Até aí, grande parte dos terrenos agrícolas pagavam tributo à Quinta, por causa do do morgadio instituído em 1580.

Os primeiros veraneantes do Século XIX tiveram de desanexar propriedades destes foros, pare serem proprietários de pleno direito. E quem eram estes primeiros veraneantes? Pois uma gente que veraneava nas Caldas da Rainha juntamente com a Família Real no

Vista aérea da praia, fotografia de portugalfotografiaaerea.blogspot.com

Vista aérea da praia, fotografia de portugalfotografiaaerea.blogspot.com

apogeu de ceramistas como Bordallo Pinheiro e o visconde de Sacavém, pertenciam todos à mesma loja maçónica, reuniam-se numa espécie de orgias lisboetas do Grupo dos makavenkos (a que o Rei D. Carlos assistiu mais do que uma vez, e em que os membros da orquestra tinham de estar de olhos vendados). O primeiro de todos seria Francisco de Almeida Grandella, benfeitor da terra a quem se deve a edificação da escola primária (agora fechada), e que viria a financiar a República. Com ele, estavam figuras como o visconde de Almeida Araújo (consta que zangado com o Rei, e que fez, além do palácio abrasileirado que foi depois ter aos seus descendentes viscondes de Moraes, e é hoje propriedade de um emigrante no Canadá, além do Hotel e a residência pegada, que foi excelente restaurante). Os Meleiros de Sousa (que se cruzaram com os Sacavéns, sendo o actual visconde o herdeiro principal desta família ali), os São Martinho, etc. Mas estamos a falar da viragem do

Crianças da colónia de férias da FNAT, fotografia do inatel.pt

Crianças da colónia de férias da FNAT, fotografia do inatel.pt

Século XIX para o XX. Já em plano salazarismo, apareceu um Higino Queirós e Melo, que no sobrante da casa de Grandela fez a primeira estância de férias da FNAT (hoje, INATEL). E construiu a sua própria casa logo ao lado, com uma vista deslumbrante (hoje na posse do seu sobrinho, o conhecido cirurgião cárdio-toráxico, João Queiroz e Melo). Nesta época, o Regime ainda deu uma pequena ideia de pretender investir na beleza local, e chegaram a ir para lá de férias figuras de relevo como o cavaleiro João Branco Núncio (que alojava os cavalos nas cavalariças do visconde de Sacavém) e algumas pessoas ligadas ao governo da época. Mas preferiram manter algum sossego, a alardear a praia nalguma campanha de promoção turística. Para turismo, bem ali ao lado, tinha-se as Caldas da Rainha, com as suas termas (hoje, chamar-lhe-iam SPA). A terra não é propriamente bonita,

Palacete Almeida Araújo, sobre a praia e a Marginal, fotografia de fozdoarelho.net

Palacete Almeida Araújo, sobre a praia e a Marginal, fotografia de fozdoarelho.net

mas na zona mais próxima da praia e da Lagoa surgiram casas de férias de Verão.

O Colégio Moderno também ali fez uma estância de férias, no tempo do Dr. João Soares, pai de Mário Soares. E, da família socialista, vê-se por lá hoje Manuel Alegre, em pescarias, o seu amigo António Maldonado Freitas, farmacêurico das Caldas, e o genro deste, António José Seguro.

Desde a década de 1980, deu aos naturais da Foz do Arelho, à semelhança, aliás, do que sucedeu muito no resto do país, para emigrarem, normalmente em direcção ao Canadá. E por lá deixam filhos, embora voltem a construir casas esteticamente indefinidas na sua terra.

A boite Green Hill andou por ali a bombar, desde os anos 80, umas 3 décadas, com clientes que vinham de São Martinho do Poerto, pela estrada Atlântica, das Caldas e de toda a região). E só é pena o Poder autárquico das Caldas da

Quinta da Foz, em redor da qual se desenvolveu a terra de costas para o mar, e hoje faz turismo de habitação, fotografia da checkinly.com

Quinta da Foz, em redor da qual se desenvolveu a terra de costas para o mar, e hoje faz turismo de habitação, fotografia da checkinly.com

Rainha, na sua pouca sofisticação, esforçar-se por animar aquela praia precisamente no mês em que está mais animada e cheia por si, que é o de Agosto. Queira Deus que os autarcas se encham de sabedoria, e prefiram animar em Agosto as Caldas da Rainha, e não a Foz do Arelho.

De resto, notar o hotel (o Facho) que lá continua em cima do mar, desde que o visconde de Almeida Araújo o mandou construir – embora esteja agoira nas mãos de um descendente de emigrante menos sofisticado.

Para comer bom peixe, há o Pescador (na Marginal) e a Távola (na terra). Para ser bem atendido e estar num lugar paradisíaco, mas não comer muito bem, há o Cais da Praia (também na Marginal). E para uma copa mais sossegada, com música jazz (em discos), o bar Trombone, em frente da Quinta da Foz, no Largo Principal.

A gente de Quinta da Foz, embora muito benemérita para a terra, apesar de ter perdido os forais, é mal tratada por uma Junta de Freguesia que não se sabe o que faz. A terra, com a A8, fica a menos de uma hora de carro de Lisboa.

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